Um papel não dita o teu valor

A importância da autoestima

Daniel Covas
7 min readFeb 16, 2024

Estava eu certo dia há umas semanas, a ter uma conversa sobre uma nota de exame. Tive o insight deste título e gravei-o para que, após a minha devida reflexão, pudesse vir aqui falar e descrever, não a conversa que tive, e sim aquilo que dela retirei e que vos pode servir.

Já tive uma opinião mais extremista acerca do sistema de educação do que aquela que tenho hoje. Refinei-a ao longo dos anos. Consegui olhar um pouco mais aos benefícios que se colhem e não tanto ao resto onde me focava obsessivamente. Uma coisa é certa e clara: o sistema de educação não está a acompanhar o resto da evolução social e digital de outras dimensões da nossa vida e provavelmente, é importante que isso seja corrigido. Está atrasado. Mais do que falar sobre isso, quero ir mais além dessa vertente e interligar essa parte com a vertente pessoal.

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Educação formal e autodidata

Somos habituados, enquanto sociedade, a frequentar a escola. É até uma obrigação percorrer os 12 anos iniciais de ensino, até terminar o secundário. A partir daí, a formação superior já se torna uma opção. No que toca a educação formal, de forma simples, o percurso é este. Infelizmente, o que muitas vezes acontece e tantas vezes tenho repetido é que, neste molde educacional, é criada uma conotação acerca do estudo, de que é aborrecido e serve apenas para a escola e para os testes. Assim, quando o período formativo termina, o hábito de estudo perde-se e começamos, de forma automática e inconsciente, a repetir um determinado padrão a partir daí. Refazemos a mesma coisa ano após ano e acabamos a chamar a isso vida. Não o é. Porque estamos estagnados no tempo, a fluir na vida sem mudar, sem aprender, sem adaptar, a forçar que aquilo que sempre soubemos nos continue a impelir para a frente num mundo em que o que ontem funcionava, hoje já é obsoleto.

A educação autodidata vem daquilo que é a aprendizagem autónoma. A vontade e a capacidade de recolher, pesquisar, filtrar, compreender e integrar informação nova, de forma a fazer uso dela. Não porque alguém nos obriga e sim porque acreditamos ser esse o nosso dever, para connosco próprios e para com o compromisso que estabelecemos em ser o nosso melhor. Aqui, o bom-senso, o discernimento e a consciência em distinguir informação válida da pletora de referências de caracter dúbio que existe, especialmente na internet, é preciosa.

Não estou a dizer que uma é certa e outra é errada. Cada uma tem vantagens e desvantagens. Dependendo da forma como as usamos, podemos colher mais benefícios ou mais prejuízos delas.

A escola, enquanto sistema de educação como o conhecemos, não se alterou nos últimos 70 anos, o que significa que desde a década de 50 do século passado que estamos a ensinar as crianças da mesma forma. No entanto, o mundo de 1950 continha características que hoje em dia já não existem. O mundo de hoje tem conceitos que nem se sonhava que existissem em 1950. A conclusão é que as coisas mudam, se alteram e inovam. Com a inovação de umas, devem vir as de outras. Se a sociedade evoluiu, a medicina evoluiu, a saúde evoluiu, os sistemas de informação e de dados evoluiram, porque não evoluiu a educação em paralelo com todos estes aspetos?

Porque a escola como a temos hoje, que aprendizagem faculta para além de trabalhar a memória? Transmitem-se as aprendizagens, é certo. E onde é colocada a importância? Nos testes. Nas notas. Não na aprendizagem em si. Portanto, o foco dos alunos foge precisamente para isso: memorizar, ao invés de aprender, para ter uma boa nota no teste. Porque é isso que lhes é dito. Então, ao invés de aprenderem e compreenderem, memorizam a informação porque o momento do teste é o mais importante, como se fosse o único que importa. Assim se coloca este “peso” de obrigação na prática do estudo, um comportamento errático, recompensado desde cedo, que fica incrustado no nosso ser. Porque estamos focados em memorizar o máximo de informação, ao invés de compreender o máximo de informação. Que é o que realmente importa na vida. Compreender, não memorizar. Claro que a memória é uma competência importante. No entanto, ter a capacidade de compreender e interpretar informação, de forma a lhe dar um uso prático é uma mais-valia para qualquer pessoa. Isto porque, a partir de uma lógica de processo, se me dão uma informação e a única coisa que sei é repeti-la de volta ou usar termos associados a ela para parecer que sei algo sem saber, estou realmente a aprender, entender ou compreender a informação a que estou a ser exposto?

Ser autodidata é precisamente assumir a responsabilidade por aprender. Por mudar. Por melhorar. Por evoluir e adaptar a um mundo que está constantemente a inovar. No entanto, com a era digital, a disseminação de informação é tanta que se torna árduo selecionar a informação que se adequa ao que queremos aprender (consultar publicações sobre desinformação e seletividade para mais informação). Com a interpretação que se obtém da educação formal como descrevi acima, cada vez se torna mais raro conhecer estas pessoas em certos meios e muito mais provável de as encontrar noutros. Estamos a dividir-nos de uma forma bastante extrema, a gerar uma brecha social entre pessoas, quando deviamos cada vez mais unir-nos, por todos os motivos e mais alguns.

As notas e a vida

No seguimento desta informação, chegamos à questão funcional da educação e do como o seu sistema de avaliação se processa. Como em qualquer coisa quando se fala em objetivos, devemos ter métricas que permitam o acompanhamento do nosso progresso de evolução. No caso, é suposto que os testes, exames e provas do género sejam essas métricas. É aqui que acredito estar um dos erros fundamentais: porque usamos a métrica intermédia como o objetivo final. Se o objetivo da escola é ensinar, então os testes ao longo dos anos deviam simplesmente ser métricas e apenas os exames finais as provas derradeiras que comprovassem a aprendizagem. Desta forma, com a alteração da percepção, facilitar-se-ia o processo de aprendizagem, retirava-se o stress situacional para o qual as crianças/adolescentes muitas vezes não estão preparados para lidar (e pior, não são ensinados a fazê-lo) e efetivamente conseguiria transmitir-se a verdadeira importância do processo de interpretação, recolha e manuseamento de informação, de forma a entender a utilidade prática dela. A evolução não precisa ser assim tão grande, só precisa que se limem as arestas e alinhem os detalhes.

Porque conheço eu pessoas que, depois de adultas, ainda têm uma parte de si apegada às notas que tiveram na escola. No sentimento de que se podiam ter esforçado mais, podiam ter estudado mais, podiam agora ter uma vida diferente e não têm. Será que a escola educou estas pessoas? Não, deixou-as com mágoas que elas não tinham e roubou-lhes anos de vida que continuam a não fazer sentido. Costuma dizer-se que a educação vem de casa. Os valores, os princípios e tudo o que a isso está associado. Concordo plenamente: é de casa que deve vir a nossa aprendizagem pessoal, que constrói o nosso carácter. Por outro lado, as aprendizagens sociais de lidação com terceiros, devem aprender-se na escola. As práticas necessárias a uma vida adulta funcional, devem aprender-se na escola. Construir um currículo, ter uma noção sobre obrigações fiscais, uma abordagem a gestão financeira, estratégias e métodos de programação mental e de inteligência emocional, para enumerar alguns exemplos.

São tópicos que acabamos por ter de aprender à força. Dizem aqueles que têm mais anos que “isso aprende-se com a vida”. Não é mentira, porém é um choque muito maior. Num mundo onde estamos cada vez mais conectados, mais à mercê de ser alvo de tudo, é imperativo que estas capacidades se ensinem. Porque esses antigos, que dizem ter sido ensinados pela vida nesses campos, na realidade simplesmente lidaram e lutaram contra tais aspetos, com aquilo que sabiam, não a aprender algo novo.

Considerações finais

As notas que temos não definem aquilo que somos. Conheço excelentes profissionais amigos meus que sobressaem, nos seus respetivos campos, pela pessoa que são e não pelas notas que tiveram. Novamente, concordo plenamente que as notas estabeleçam os mínimos para certas profissões, com certeza. No entanto, vão ser um reflexo, não uma causa, do processo de aprendizagem. Aqueles que forem melhores alunos, têm um leque mais abrangente por onde escolher do que aqueles que que não o são. Esta parte chama-se posicionamento. Enquanto estudantes, se esse é o nosso trabalho, então devemos ser o melhor que conseguimos nele, enquanto equilibramos e aprendemos a viver a nossa vida. Por isso acredito que é de extrema importância dinamizar, dar a conhecer e ensinar pontos como aqueles que referi acima, para que nos demos conta o quanto antes, sobretudo de forma consciente, daquilo que é a vida adulta, as variáveis que envolve e todas as dinâmicas que a compõem. Basta de deixarmos que as notas de um exame façam jus ao que é o nosso conhecimento e inteligência. As notas que obtemos não têm a ver com as nossas capacidades per si, elas ditam a capacidade que tivemos, entre a data a que fomos expostos a determinada informação e a data do exame, de aprender uma determinada informação. Obter nota negativa não é sinal de que se é burro nem obter nota positiva é sinal de que se é inteligente.

Quem tem negativa, foi ensinado de forma diferente daquela que é o seu estilo de aprendizagem e de comportamento ou simplesmente é mais lento a compreender informação. Quem tem positiva, foi ensinado numa forma de aprendizagem que corresponde ao ser ser, com comportamentos que vão de encontro ao seu próprio registo ou é mais rápido a assimilar informação. Isto é o que as notas obitdas num teste, prova ou exame significam. Nada mais, nada menos. Porque todos nós, de forma individual, aprendemos de uma determinada forma, através de determinados comportamentos, a um determinado ritmo.

Estimular individualidades, ao invés de padronizar multidões, é provavelmente a utopia mais agradável que podemos imaginar num sistema educacional perfeito. Se não obtivermos isso, pelo menos que nos tornemos autodidatas a um ponto equiparável à necessidade do compromisso para com a nossa melhor versão.

De que forma associas a tua autoestima à tua aprendizagem?

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Daniel Covas
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Written by Daniel Covas

Mental Coach, Behaviour Analyst, Digital Strategist. Beat the Mind Founder. https://www.instagram.com/danny_covas/

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