Processos Mentais

Porque pensamos como pensamos?

Daniel Covas
9 min readSep 7, 2023

Começo esta escrita após acender um incenso e a pensar numa coisa muito curiosa, com base numa frase com que me cruzei recentemente. Um muito querido mentor meu costuma chamar as coincidências de “Deuscidências”. E a frase de que falo dizia assim: “As coincidências são a forma de Deus se manter anónimo nas nossas vidas”. E perguntam-se vocês porque abro o parágrafo inicial a falar de coincidências e de Deus, quando o tema é pensar… Pois bem, nada acontece por acaso. Ontem, em conversa com alguém que me é muito especial, recordei-me de alguns textos que tinha escrito há 6 anos atrás. Estive a revê-los. Não fiz a ligação logo no momento, surgiu-me apenas mais tarde: os processos mentais que eu tinha na altura são completamente diferentes daqueles que possuo agora. É fascinante percecionar a nossa transformação. Isso sim é a verdadeira razão pela qual decidi começar assim. Porque vos trago um diferente e mais profundo sentido de propriedade sobre o tema.

Melhoramento constante e continuo

Acredito que já tenha escrito sobre pensar anteriormente. No entanto, para a mais recente audiência, provavelmente é um tema que ainda não viram abordado, direta e intencionalmente. Hoje, não será sobre pensar em específico (porque isso é uma habilidade treinável que precisamos desenvolver. Apesar de que acredito que a publicação vá contribuir para isso de forma indireta). Hoje é sobre o processo mental. A forma como os nossos pensamentos se desenvolvem, conectam, transmitem e refletem em ações. Não há outra forma de nos melhorarmos, do que começando por estabelecer um processo mental para o fazer. Já o temos de forma inata, chama-se curiosidade. Esse “bichinho”, esse sentimento que nos faz querer saber o que não sabemos, é o principal impulsionador do desejo de evolução que o ser humano carrega. A melhoria começa, normalmente, por um sentimento. Seja de escassez, de necessidade, de vontade. Após isso, é necessário desenvolver um processo mental que nos permita levar de onde estamos até ao patamar onde queremos chegar. É assim, de grosso modo, que se eleva o nível de consciência e encontramos as soluções para os desafios da nossa vida. Podia ser assim tão fácil, não era? E se o fosse, certamente que a vida não teria tanto valor, nem as nossas ações e em especial, as nossas conquistas. Porque todos seríamos capazes de tudo, sem esforço algum. E é no esforço que está a superação. Porque na verdade, eu acredito plenamente na primeira parte da premissa, de que todos somos capazes de tudo (sim, é uma generalização abusada, eu sei. E eu sou mais feliz a acreditar nela).

É curioso como o nosso cérebro encara e compreende situações diferentes, perante as variáveis que existem. Colocando a perspetiva de que estava a falar, se o esforço não fosse necessário e o cérebro soubesse que poderia tudo a qualquer momento, sem grande desgaste, ele não faria nada. Porque a hipótese estaria sempre lá e a recompensa não era grande o suficiente para fomentar a execução. É por termos oportunidades únicas, momentos em que realmente temos de fazer acontecer, que atribuimos o verdadeiro valor à vida. O processo mental de não existir esforço e obter a recompensa é algo que não transmite progresso. Sem fricção, não existe crescimento, porque nada muda. O processo mental de quando existe um esforço que traz uma recompensa, por outro lado, premeia-nos com as melhores hormonas de felicidade que o cérebro tem capacidade de produzir, uma vez que usámos energia, confrontámos os nossos limites e, com isso, alcançámos algo. O mecanismo mental de recompensa é algo que só é válido precisamente por existir esta vertente de esforço associada.

Pensemos da seguinte forma: qualquer pessoa comummente saudável conseguirá realizar uma caminhada de 20 minutos por dia. Esta atividade vai trazer-lhe benefícios a longo prazo na preservação da saúde. No entanto, quando não estamos orientados e alinhados com uma visão desejável do que queremos para nós a nível de processo mental, não vamos estar dispostos a investir esse tempo nessa atividade. Ou seja, não é apenas a vertente do esforço. É a vertente da clareza também. O mundo está tão rápido que o nosso processo mental, no que toca ao enquadramento temporal, quer o resultado agora. E como o nosso cérebro é uma máquina tão evoluída, consegue perceber o seguinte: “uma caminhada de 20 minutos agora? o que vamos ter de fazer?

  • vamos transpirar
  • vamos ter de bombear mais sangue, mais depressa, para todo o corpo
  • vamos ter de tomar banho quando voltarmos
  • vamos sentir-nos cansados depois

que benefícios vamos colher?

  • hoje, nenhum.”

E pronto. Como a recompensa imediata não existe, o cérebro não é impelido a realizar a ação. O processo mental de enquadramento temporal está a sabotar o nosso desejo de ser saudável. Voltamos ao ponto inicial: quando tudo está ao nosso alcance, sem grande esforço para obter uma recompensa (porque uma caminhada de 20 minutos não será, pelo menos para a maioria, um grande esforço) não se reflete numa ação. E o comportamento procrastinador predomina.

Lá vamos nós para o carrossel do costume… “Danny, então como altero isso?”

Adivinha só: alterando os processos mentais. Clareza e alinhamento com a visão, como referenciei acima. Partilhei há uns dias nas minhas histórias do Instagram uma frase de Séneca que gosto muito: “Para o homem que não sabe para que porto navega, nenhum vento lhe será favorável.”

É importante que tracemos um rumo que desejamos seguir na vida. Não estou a falar de propósito aqui. Propósito é um motivo. Que pode vir antes ou depois. Não o estou a descurar ou a tirar-lhe a importância devida, estou simplesmente a pedir que se foquem no caminho. Pode tornar-se mais fácil estabelecer uma direção primeiro e, ao longo da jornada, com as ações que se vão realizando, começas a descobrir porque estás a fazer o que estás a fazer. Decidir um caminho permite-te olhar em frente e com profundidade. Quando olhas com profundidade numa direção, vês mais além. Ver mais além permite que alteres o teu processo mental de enquadramento temporal: entendes a importância que os resultados de ações acumuladas se revelam com o passar do tempo e não com a imediatez que somos “empurrados” a acreditar neste molde social atual.

Critica interna

Ainda que possamos recriar os nossos padrões de pensamento e modelos mentais, uma outra coisa que nos é inata vai estar sempre presente e faz parte do equilíbrio do pensamento: a critica interna. Aquela voz que temos dentro que nos julga a cada momento. A cada pensamento, a cada ação, a cada resultado. Uma voz que tem duas facetas: se a alimentarmos e lhe dermos demasiado poder, vai matar todos os nossos sonhos e aspirações; se a contemplarmos por aquilo que é, um puro lembrete do que podemos fazer melhor, podemos usá-la a nosso favor para que nos encaminhe no sentido da evolução. Curioso como a conotação que damos a uma simples palavra como “critica” pode fazer tanta diferença. Se lhe atribuirmos um significado pejorativo, aquele a que estamos habituados normalmente, de que a critica é um comentário que reflete o que está em falta ou que não está bem feito, vamos contemplar continuamente um vazio que, muito certamente não conseguiremos preencher nunca. Tal como um buraco, quanto mais escavamos, mais fundo ele se torna. Se nos focamos no buraco, ele aumenta. Se nos focamos em nivelar o terreno, o buraco diminui, porque restituímos o equilíbrio. Atribuir um novo significado à critica é o passo a dar. De forma a que a olhemos da perspetiva de “eu estou orgulhoso do que fiz, porque dei o meu melhor, coloquei tudo o que sabia e usei todos os recursos de que dispunha”. Partindo deste ponto, olhamos para a critica não como o que falta ou está mal e sim como o que pode ser ainda melhor da próxima vez e que pontos de foco me vão permitir trazer ao de cima ainda mais recursos internos que tenho ao meu dispor. A história que contamos a nós próprios, sobre o que quer que seja, dita a forma como pensamos, agimos, nos relacionamos e vivemos. Começa muitas vezes pelo processo mental que atribui um determinado significado a um determinado aspeto.

Foco interno

Um dos outros pontos verdadeiramente importantes que os nossos processo mentais gerem é a forma como nos focamos naquilo a que damos atenção. Ou seja, a determinação do significado atribuido pelo nosso processo mental a um determinado evento é o que vai definir se o nosso foco será positivo ou negativo.

Exemplo: Vou correr 10km. Demoro uma hora. Se estou habituado a fazê-lo em 50 minutos, posso olhar para o acontecimento de duas formas:

  • Processo mental comum e automático: “Fugiste da tua norma. Estás a aumentar o teu tempo habitual. Estás a desleixar-te.” Começamos a entrar nesta espiral decrescente e a critica começa a apoderar-se de nós. Resultado = Foco negativo.
  • Processo mental consciente: “O que está diferente? Bem, já não corria há algum tempo esta distância. É natural que esteja a quebrar o tempo. No entanto, feito é melhor que perfeito. A atividade foi cumprida. É continuar a trabalhar.” Começando com uma pergunta, ganhamos imediatamente o poder de guiar o processo mental na direção consciente da compreensão. Reconhecemos o que podemos fazer melhor. E seguimos a partir daí. Resultado = Foco positivo de melhoramento.

A melhor estratégia que podemos usar de forma a potenciar e alterar os nossos processos mentais no que toca ao foco em específico, é começar com perguntas. Perguntas dão respostas. Respostas orientam o foco para a direção que desejamos. É como se estivessemos a hackear o nosso cérebro.

Reflexão final

Os processos mentais são as nossas formas, caminhos predefinidos de pensamento em relação a qualquer área da nossa vida. A parte menos boa é que esses processos são criados desde tenra idade, quando ainda não temos perceção ou consciência efetiva do que estamos a fazer. A parte melhor é que, a partir do momento em que ganhamos consciência e maturidade para os reconhecer, podemos alterá-los. Em qualquer altura da vida. O cérebro é permeável a esse nível. E elástico. O campo da neuroplasticidade estuda o impacto que a aprendizagem tem no cérebro e está mais do que comprovado que, instalar novo conhecimento e praticá-lo altera as nossas estruturas neurais.

Define o caminho que queres seguir na tua vida. Estabelece-o com clareza e intencionalidade. Depois, arma-te com o conhecimento que te permita percorrer essa jornada da forma mais sábia e aplica-o. Ao longo dela, entende os teus processos mentais inatos e automáticos e o quanto os queres moldar para que te sirvam. Mantém sempre presente que, mais importante do que chegares ao destino, é quem te tornas no processo.

Alterar processos mentais é só isso: perceber qual o estímulo que desperta uma certa linha de pensamento. Reconhecer o sentimento por detrás do pensamento inicial. Após isso, questionar a sucessão que a mente segue. Colocar o nosso pensamento no seu lugar. Somos nós que o controlamos e não ao contrário. Vai dar trabalho ser consciente dos nossos pensamentos e ressignificar os processos que eles seguem, sim. E vai valer muito a pena.

Termino para te falar daquilo com que iniciei: os textos que escrevi há 6 anos atrás. Desabafos, aquando do meu processo de recuperação da cirurgia maxilo-facial a que me submeti a 18 de janeiro de 2017. A diferença no sentimento da mensagem que escrevia. A forma como pensava. As palavras que utilizava. Sinto que era muito mais póetico e linguisticamente mais complexo. Porém, carregava também emoções mais pesadas e um sentido pessoal muito diferente daquele com que enfrento as coisas hoje em dia. O reflexo da alteração dos meus processos mentais. De pegar nas mesmas emoções e estabelecer uma linha de pensamento diferente, que me leva a ações diferentes, que me traz resultados diferentes. No final do dia, o que é importante é encontrares o que faz sentido para ti. Que processos mentais te trazem os resultados que te preenchem. E seguir esse caminho, de forma a aprimorar continuamente a qualidade dos pensamentos, sentimentos e comportamentos que estão alinhados com esses processos mentais vencedores que definiste para ti!

Já paraste hoje para delinear os processos mentais que queres ter de forma intencional, para te levarem onde queres chegar?

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Daniel Covas
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Written by Daniel Covas

Mental Coach, Behaviour Analyst, Digital Strategist. Beat the Mind Founder. https://www.instagram.com/danny_covas/

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