Meia-Maratona
A minha primeira prova oficial. Uma aventura absolutamente maravilhosa. Apesar de, durante o meu tempo no Exército, ter participado em algumas provas internas, esta foi realmente a primeira prova oficial e a de maior distância que já percorri (fora treinos). Chegar até aqui, como qualquer outra coisa nesta vida, foi toda uma jornada e um percurso interessante.
· O período de treino
· A prova
· A recuperação
· Lições
O treino
Quando, em novembro do ano passado, me propus correr a maratona em junho, não esperava fazer uma outra prova tão próxima antes dessa. No entanto, à medida que os treinos progrediram e que pessoas ficaram a saber desta minha jornada, acabei por ser desafiado por um amigo meu a fazer esta meia-maratona. “Vem, vai servir-te de treino de aquecimento para a maratona.”, dizia-me ele, para me convencer. Como eu sou bastante propenso a aceitar e superar desafios, disse que sim. E no calendário surgiu este novo dia de importância, 8 de maio de 2022. Comecei a treinar sem fazer ideia do que esperar. No entanto, ao fazer algumas pesquisas, descobri que esta é a meia-maratona mais rápida do mundo. Acreditei que o percurso seria fácil. E estabeleci o meu objetivo nos 105 minutos (1 hora e 45 minutos).
Dentro deste treino, realizei o desafio de 4x4x48, fiz algumas corridas aventureiras de distância e ingremes de percurso. Umas que superei, outras que me derrotaram com sábias lições. Momentos em que estava sozinho, só eu e a estrada. Com vários quilómetros já sobre as pernas. E que, por obra de várias circunstâncias, me atiraram ao tapete. Nesses momentos, surgia alguma dúvida de que seria efetivamente capaz de completar toda aquela distância. Porém, tal como aqui vos tenho dito tantas vezes, apliquei o treino. Voltei à consciência do momento presente, em vez de projetar possibilidades futuras incertas. Relembrei-me das corridas que já tinha feito no passado. Das distâncias que já tinha ultrapassado. Lembrei-me que tinha sim de reforçar os treinos, melhorar a alimentação, treinar a mente e manter-me centrado no que realmente queria. Assim foi.
Durante o mês de abril, menos de 30 dias até à prova, sou honesto. Os meus treinos de corrida foram poucos. Muito foco em me alimentar bem. Muito foco em reforço muscular. E no final do mês, uma semana antes da prova, fui fazer um bom passeio, acompanhado de maravilhosas pessoas, pelo sul de Espanha. Foi algo que me fez tão bem, pois permitiu-me abstrair do mundo e focar-me mesmo naquilo que pretendia. Durante essas mesmas férias, fui fazer uma corrida com a mesma distância da prova, para testar realmente o estado físico atual (mesmo com toda a alimentação despreocupada que estava a praticar). Quando terminei, soube que estava preparado.
Ao voltar a casa, voltei aos treinos no ginásio e fiz algumas corridas de passadeira para descomprimir as pernas. Quando dei por mim, estava no fim-de-semana da data marcada.
A prova
Uma bela manhã de domingo no dia 8 de maio de 2022. Ás 9h15 apanhei o comboio em direção à estação do Pragal, a partir de onde chegávamos à partida. O ambiente que se estava a gerar, com todos os atletas ali presentes, era magnífico. Uma hora de espera até ao arranque, para aquecer, tirar fotografias, conviver um pouco, conhecer outros atletas. Pela primeira vez em experiências deste género, mantive-me presente a todo o momento. Sem ansiedade antes da prova, sem pensar no que poderia ou não acontecer. Estava simplesmente ali. Centrado. Presente. Focado. Preparado para apreciar aquela corrida. 10h20. É dado o tiro de partida e arrancamos pelo tabuleiro da ponte 25 de Abril, sentido Almada-Lisboa.
Comecei a um passo mais lento, para aquecer bem toda a maquinaria corporal que ia estar em esforço nas próximas duas horas, sensivelmente. Atravessei tranquilamente a ponte, por entre todo o grupo de pessoas que ali, naquela manhã, eram atletas de honra rumo à finalização dos 21 quilómetros da meia-maratona. Após a saída da ponte, rumámos ao lado direito, que nos levou até ao Caís do Sodré. Aí, curvámos 180º, desta feita para nos encaminharmos a Algés e depois disso regressaríamos um pouco para trás para terminar a prova no Mosteiro dos Jerónimos. Assim, até parece simples.
No entanto, à medida que o tempo passava por nós, surgiu um adversário que se revelou ser o maior de todos. Não foi o cansaço, não foi o aspeto mental. Foi realmente o calor. O calor, que provoca a desidratação, um aspeto brutal para derrotar qualquer atleta em esforço, começou a surgir e a fazer furor. Os postos de abastecimento revelaram-se preciosos e para muitos infelizmente, acredito que escassos. Eu, habituado ao calor do meu Alentejo, aliado ao meu treino militar e ao meu treino mental, tinha neste aspeto alguma vantagem. Essa vantagem ficou mais e mais clara a cada quilómetro que completava. Na marca dos 8km foi quando realmente percebi que conseguia acelerar o passo e tirar vantagem da minha resistência física e mental face ao calor. Comecei aí a passar muitas das pessoas que me tinham deixado para trás lá no início, na ponte. Aí começamos a entender quem começou a prova com excesso de confiança e quem soube gerir o esforço. Ao chegar aos 12km, com mais de 1h de prova, o calor começou a derrotar muitos atletas. Pessoas a parar as suas corridas, a abrandar o passo, a encostar às bermas, deitados no chão e a pedir assistência. Aí, com mais de metade da prova feita, sabia que ia doer mais um pouco e ao mesmo tempo sentia-me bem e motivado para terminar os restantes 9km. Passo a passo, quilómetro a quilómetro, continuei. Numa determinada altura, estava a alimentar-me da dopamina de ultrapassar outros participantes. Ao chegar então, passados uns bons minutos, à marca dos 20km, o tempo no relógio era de 1h43min. Soube ali que ia falhar perante o meu objetivo de 1h45. Não deixei que isso me afetasse e continuei. Cruzei a meta com o tempo de 1h49min31s no relógio e um tempo de 1h49min certos, marcados no chip. Um passo médio de 5:11min/km e uma velocidade média de sensivelmente 11,5km/h. Com o treino e a preparação que tive, as condições que se apresentaram e o resultado que obtive, senti-me bastante bem. Com o sentimento de superação e dever cumprido.
Deixar aqui registado, em nota de alto respeito e valor, um grande obrigado e um bem-haja aos responsáveis pela organização da prova, a cada pessoa que esteve envolvida na monstruosa logística deste evento, aos profissionais de saúde que prontamente prestaram auxílio a todos aqueles que o necessitaram e aos bombeiros, por nos terem brindado com alguns postos de refresco improvisados, que permitiram facilitar a regulação do calor durante a corrida.
A recuperação
Após o final da prova, nos jardins do Mosteiro dos Jerónimos, comi provavelmente o gelado que melhor me soube na vida. Esperei sensivelmente 20 minutos pelo meu amigo, que infelizmente teve de gerir o seu esforço devido a outras condições adversas, o que fez terminar a prova perto das 2h10min. Reunimo-nos e fomos partilhar uma bela e mais que merecida refeição para repor todas aquelas calorias perdidas. Ao regressar ao hotel, iniciei efetivamente a minha recuperação pós-prova. Banho de imersão de água fria. Tendo em falta o professor gelo, usei os recursos à minha disposição. Mantive-me na banheira de água fria durante 15 minutos, de forma a reequilibrar os meus sistemas internos e a descontrair os músculos das pernas, essencialmente.
Entretanto, descobri que, o inimigo para o qual não me tinha preparado tinha efetivamente deixado mazelas: escaldões nos braços. Tratei de ir comprar alguns cremes para tratar disso. Mais, tinha o meu já clássico joelho esquerdo latejante, a dar de si. Nem tudo é um mar de rosas ou um encanto, quando nos colocamos sobre stress e esforço físico, durante um largo período de tempo, sob condições atmosféricas adversas. Assim, creme fisioterapêutico e massagens para o joelho e um bom creme para os braços têm sido os meus melhores amigos nos últimos dias.
O joelho, felizmente, está já recuperado. O escaldão está praticamente tratado. Agora há que, gradualmente, voltar às corridas. Pois, dentro de 32 dias, estou de volta à estrada (com um tempo mais ameno, espero eu) para participar na que acredito ser a prova e o desafio mais significativo do meu ano (curioso como sinto um formigueiro no joelho ao escrever estas palavras) — a maratona. 42 195 metros de uma aventura completamente desconhecida. Voltarei a escrever-vos algo aqui por essa altura, para vos contar aquilo que é percorrer o dobro da distância daquilo que vos acabei de contar.
Lições
Como é claro, mais do que vos relatar a experiência, é proporcionar-vos com os insights que retirei dela.
Primeiro, quando utilizamos o ambiente a nosso favor, conseguimos colocar-nos numa posição de inspiração que nos faz superar mais facilmente qualquer desafio que tenhamos em frente. Portanto, sempre que o ambiente for favorável, aproveitem ao máximo a energia extra que está ali disponível.
Segundo, lembrem-se do treino. Toda e cada ação que fazemos diariamente, mais supérflua ou mais intencionada, com a observação certa, é treino. É o desenvolver de capacidades que podem ser úteis em qualquer situação ou, no mínimo, servir de motivação em momentos mais vulneráveis e desafiantes. Durante a corrida, lembrei-me de cada passo que tinha dado nos treinos, rumo ao objetivo. Uns mais lentos, outros mais rápidos. Ainda assim, corridas, metros e quilómetros que me tinham levado até aquele momento. Pensei nos momentos de superação que, em condições mais adversas, eu já tinha ultrapassado. Pensei em todas as pessoas que me desejaram força, que me apoiaram nos treinos e me entregaram parte da sua energia para eu completar esta corrida. Lembrei-me de tudo aquilo que me podia dar o impulso a mais para continuar e terminar.
Terceiro, quando a adversidade nos confronta, não te questiones “Porquê isto?; Porquê mais isto?; Porquê isto agora?” e começa a questionar “Porque não isto?”. Ao invés de deixarmos que o desafio nos domine, vamos tirar partido daquilo que se nos opõe e usar isso para nos fortalecer ainda mais. Cada desafio, cada adversidade, é uma oportunidade. Correr 21 quilómetros é um desafio. Vamos adicionar a isso 30 graus celsius. Foram as minhas condições e quando o calor apertou, eu não pensei em desistir. Pensei “é hora de correr”. Quanto maior o desafio, maior o crescimento.
Por último, endereçando um pouco ao ponto apresentado anteriormente, grande performance exige grande repouso. Após um certo nível de esforço físico, temos de saber parar, diagnosticar e planear a recuperação do corpo, voltando passo a passo a uma rotina que permita descansar e recuperar de todo o desgaste que lhe foi causado. No treino está a superação. No descanso, constrói-se o ganho.
Gladiadores, obrigado a vocês, por todo o apoio, acompanhamento, mensagens, carinho e tudo aquilo que vocês demonstram, entregam e pela vossa interação!
Quero deixar-vos o final deste post com aquilo que será o final de todos os posts daqui para a frente, ao longo do ano, para vos lembrar continuamente: Tu és o que tu quiseres ser. Só tu és tu, e esse é o teu super-poder. Cabe-te a ti guardá-lo ou usá-lo.
Gladiadores, este ano promete o mesmo que qualquer outro antes dele e o mesmo que qualquer outro depois: absolutamente nada. Não é o ano, não é o mês, não é a semana, não é o dia, não é a hora, não é o minuto, não é o segundo que define a nossa vida. Somos nós. É cada um de vocês. Vou manter esta linha de pensamento nos posts ao longo do ano e continuar a criar e a entregar-vos conteúdo para que, de alguma forma, vocês consigam pegar nisto e alterar algo. O vosso estado. A vossa condição. As vossas circunstâncias. O mundo atual dá-nos oportunidades a todos os níveis para sermos muito bons em praticamente tudo. E estimula-nos, ao mesmo tempo, a querer tudo “para ontem” e de mão beijada. Um paradoxo contra o qual temos de lutar diariamente. O que se constrói rápido perde-se mais depressa. O que se constrói a um ritmo firme não só vale a pena como também tem uma base para durar gerações. Um legado desenvolve-se assim. Deixem cá algo que possa viver depois da vossa vida e que carregue a vossa essência por gerações e gerações.