Lidar com o Mundo
A forma de encarar aqueles que não somos nós
Um dos temas mais interessantes que tenho no forno da escrita é precisamente este. E depois de uma interessante partilha que escutei há dois dias, parece-me ser o mais adequado para esta semana. Em primeiro, dizer que acredito que existem níveis para isto, que vamos desbloqueando à medida que o tempo passa por nós. Sim, são níveis subjetivos, pois todos retiramos diferentes aprendizagens de situações idênticas. A parte melhor é que estamos sempre a tempo para reforçar ou ressignificar aquilo em que mais acreditamos, para lidar com situações e pessoas, de forma a fazê-lo ainda mais benéfica e eficazmente. Lidar com o mundo é todo um desafio, dentro de várias perspetivas e por várias razões. Farei o meu melhor para explorar um pouco cada área e desconstruir os conceitos o melhor que me for possível.
Desafio 1 — Eu não sou o mundo
Encaramos o mundo pela nossa própria lente de objetividade, de maneira a focá-lo, para que nos faça algum sentido. Continuamente, esperamos interpretá-lo pela nossa forma e entendimento. No entanto, não é assim que o mundo gira. É a diversidade de opinião que gera discussão, novas perspetivas e, posteriormente, progresso. É unânime assim? Claro que não! Há momentos em que a unificação de opinião deve ser apreciada e valorizada, sendo também procurada. Quando se deseja chegar a um consenso, é um bom exemplo. O que quero deixar claro neste primeiro ponto é que, por mais que procuremos que certas situações ou comportamentos façam sentido depois de termos conhecimento deles, muitas vezes não farão. Quanto mais tentarmos que isso aconteça, menos isso irá acontecer. Tudo isto porque aquilo que nós somos, mais ninguém é. Mais ninguém no mundo perceciona as coisas da forma exata que tu fazes. Para além disso, o estado e nível de consciência de todos nós é diferente, em variados parâmetros e dimensões. Este é o desafio que se centra no ego, que nos leva à pergunta do “porque é que as pessoas são assim?”
Porque são. Porque não sabem diferente. Porque não estão interessadas em algo novo. Isso não faz de uns certos nem dos outros errados. Cada um dorme na cama que faz. É importante manter presente que: o que vem do outro é dele e só nos pode afetar se assim escolher ou decidirmos.
Desafio 2 — Palavras são baratas, ações são valiosas, carácter é inestimável
Tendemos a ficar presos em níveis superficiais de comunicação e tirar as nossas ilações com base no que se diz ou pior, se ouve dizer. Ficar preso nas palavras é perigoso por variadas razões. Deixo abaixo duas das cruciais razões, abordando já de seguida um estratégia útil para repensar a forma como encaramos este cenário:
- Não existe contexto sobre o estado do emissor da mensagem
- Não existe contexto sobre o ambiente da conversa
Diz a história que, um dia, o sábio pensador Sócrates foi abordado por um concidadão seu, para lhe contar algo que tinha sabido. Porém, antes que o dito sujeito pudesse continuar o seu discurso, Sócrates interrompeu-o e disse:
- Posso colocar-te algumas questões sobre a validade daquilo que me vais contar, para saber se me vale a pena ouvir tal informação?
- Com certeza. — Respondeu-lhe.
- Aquilo que me vais contar é verdade?
- Bem… Não sei, foi algo que me contaram. — Devolveu, muito duvidoso de si.
- Certo. Portanto pode ser uma informação falsa. E diz-me, é algo bom?
- Por acaso não, Sócrates.
- Sendo assim, é algo que pode ser falso e que não é bom. Vamos a uma terceira e última questão: é útil?
- Acredito que não te sirva de grande coisa, não. — Respondeu, já arrependido da abordagem que tinha feito. Dado todo o contexto, Sócrates concluiu então:
- Se aquilo que estás prestes a contar-me pode ser falso, não é bom e não é útil, porque devo eu ficar a saber disso?
Com esta resposta, o rapaz seguiu o seu caminho e Sócrates continuou os seus afazeres.
Esta abordagem, conhecida como “os três filtros de Sócrates” é algo recomendável de fazer, quer quando vamos falar, quer quando vamos escutar algo. Permite que fiquemos a saber a validade da informação que estamos prestes a expor ou a ser expostos a, criando um pressuposto forte, para além das palavras apenas. Os três filtros testam os seguintes aspetos:
- Verdade
- Bondade
- Utilidade
Que são traços do carácter de quem criou ou foi fonte da informação, nada têm que ver com as palavras em si.
Importa atentar que as palavras podem ser interpretadas, perante diferentes estados, por diferentes pessoas, de diferentes formas. As ações, por outro lado, são mais tangíveis e objetivas, e ainda assim a sua motivação intrínseca corre o risco de ser mal interpretada. O carácter, não sendo à prova de bala, é o que temos de mais objetivo para a nossa comunicação, uma vez que mais do que palavras e ações, devemos considerar todo o contexto de uma pessoa, para assumir qualquer tipo de juízo sobre esse alguém em específico ou sobre a sua participação numa situação. Partindo do pressuposto que assumimos com o máximo possível de informação recolhida e o menos possível de especulação criada.
Desafio 3 — Nenhum médico cura toda a gente com a mesma fórmula
Há medida que a nossa consciência se desenvolve e cresce, caímos de certa forma numa fase definida por querer mostrar a todos aqueles que nos importam (e até a qualquer pessoa que cruze o nosso caminho) como podem mudar e, na teoria, ser melhores. Agora, prendem-se duas questões de extrema importância:
- O que significa ser uma pessoa melhor?
- A pessoa em questão pediu sequer a tua opinião, conselho ou demonstrou abertura para ouvir a tua perspetiva?
Sim, enquanto seres sociais, temos uma vontade inata de partilhar aquilo que aprendemos de novo, especialmente quando sentimos que isso causa transformações positivas na nossa experiência vital. Porém, algo inerente à comunicação reside no facto do ouvinte estar recetivo à mensagem que lhe vai ser transmitida. Quando chegamos a este tipo de momento, acontecem duas coisas ao mesmo tempo: as pessoas que sempre nos conheceram começam a notar a nossa mudança. Dentro delas, começa a nascer um sentimento de que o facto de evoluirmos vai criar afastamento, porque sentem o reflexo de comportamentos nossos que estão a produzir resultados, para nós, que talvez desejem, para si próprios. Porém, não o estão a fazer. Assim, surge um contexto de dualidade — as pessoas à nossa volta vão querer que voltemos à nossa versão anterior, que conhecem e com a qual estão familiarizadas e nós, por sua vez, vamos querer que elas evoluam e vejam as coisas da mesma forma que nós, para que também elas possam progredir. Qual dos lados será o mais egoísta por querer levar a sua avante?
Levantam-se aqui questões interessantes porque, nem aqueles que nos rodeiam têm o direito de nos impedir de mudar nem nós temos o direito de impingir mudança naqueles que nos rodeiam.
Dei o título que dei a este ponto porque o caminho que se traça ao longo de uma jornada evolutiva de crescimento e desenvolvimento humano é, sobretudo, de cura. De um olhar introspetivo, que permite refletir sobre comportamentos que tiveram para connosco no passado, que desencadearam em nós mecanismos de reação e resposta indesejados e que agora que estamos conscientes deles, queremos alterá-los. E também a instalação de crenças, valores e medos que não favorecem a nossa visão de pessoa futura, em que nos queremos tornar. No fundo, a ideia é criar uma experiência de vida o mais prazerosa possível, com a melhor margem de progresso nas várias dimensões que a compõem.
Existe uma frase de uma proeminente figura da Grécia Antiga, considerado o Pai da Medicina, Hipócrates, que diz o seguinte:
“Antes de curar alguém, pergunta-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer.”
Este é um dos mantras que me guiam para me manter consciente que, cada pessoa pode requerer a nossa opinião/sabedoria em momentos específicos da sua vida, quando por ela própria desenvolve essa consciência. Não significa que devemos ignorar quem temos à volta, simplesmente por não estarem interessados naquilo que temos a dizer. Significa que devemos continuar a viver a nossa própria vida, da nossa própria forma. Semeando o exemplo, usando a mensagem que transmitimos como uma semente que contribua, de alguma forma, para aqueles que nos acompanham, quer numa vertente de proximidade física quer numa vertente de proximidade virtual.
Considerações finais
Estes desafios, como os apelidei, que podem ser fases, etapas ou estágios, como lhe quiserem chamar, são apenas alguns pontos importantes daquilo que observo, quer ao olhar para trás na minha vida, quer ao ver comportamentos em ambientes sociais. Lidamos, no fim de contas, com o mundo que nos rodeia da nossa maneira. A parte boa é que essa forma de lidar não é imutável. Se aprendemos algo novo ou ganhamos, por qualquer razão, um novo olhar perante a vida, devemos aplicá-lo e mudar a forma como lidamos com aquilo que temos ao redor. Situações, ambientes e pessoas. Isto permite evoluir. Digamos o que dissermos, uma das coisas para as quais todo o ser humano está pré-programado é para isso, precisamente: Evolução. Para finalizar, seja de notar que:
- Ser boa e melhor pessoa é subjetivo
- Evoluir é subjetivo
- Sucesso é subjetivo
- Ajudar os outros é subjetivo
Existem aspetos gerais que permitem definir o que é bondade, evolução, sucesso e ajuda. Porém, são termos aos quais podemos dar o nosso toque pessoal (não distorcer e usar desculpas para os aliviar e evitar). Já se sabe que os extremos, ainda que úteis em fases determinantes, são insustentáveis no longo prazo. Servem para descobrirmos a própria harmonia.
Deixar uma observação final de que, caso acredites que existem mais pontos dignos de ser referenciados, por favor utiliza os comentários e vamos ali prolongar a reflexão desta publicação.