Intensidade vs Consistência

Daniel Covas
5 min readMay 4, 2023

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Um tema tão engraçado sobre o qual vos escrevo hoje. Há algum tempo que não fazia este género de “X vs Y”. É sempre interessante colocar conceitos que se opõem em confronto, não porque um seja melhor que o outro (o que acontece neste caso) e sim porque é importante aceitar que o mundo não é preto e branco. Que, ainda que um aspeto seja mais favorável, não invalida que em períodos específicos não possamos recorrer ao outro para nos dar um boost ou “salvar”.

  • Vantagens e desvantagens da intensidade
  • Vantagens e desvantagens da consistência
  • Qual o melhor?
  • Porque ambos são importantes
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Intensidade

A vertente, das duas, que soa a agressivo. Que remete para explosividade, ação extrema, superar limites. Uma palavra à qual associamos uma conotação semelhante a disciplina ou resiliência: dentro daquele campo da dureza mental. Acreditamos que a intensidade está apenas destinada a quem é forte o suficiente para quebrar os seus limites. Até assumimos este termo como um traço de personalidade, que faz das pessoas severas, brutalmente honestas e sem filtros. Onde quero chegar com isto é que olhamos para este tema como um “tudo ou nada”. Vemos a intensidade como o esgotar do tanque de energia. E é isso, precisamente, que se torna.

Vantagens:

  • Acelerar: quando fazemos algo de forma intensa, tendemos a executar a tarefa de forma rápida, gerando emoção, que liberta adrenalina. Essa hormona potencia-nos e cria aquele sentimento de “motivação” que tanto apreciamos.
  • Quebra: intensidade é excelente para quebrar um estado que não nos esteja a potenciar. A melhor forma de ativar o corpo ao levantar do sofá, por exemplo, é dando um salto, para causar uma quebra de estado, causado pela intensidade física repentina a que dispomos o corpo.
  • Pensamento: novamente pela questão hormonal, a intensidade ao fazermos algo e nos deixar embrenhar nisso leva-nos ao famoso “estado de flow” o que provoca uma maior circulação sanguínea no cérebro, potenciando a nossa atividade nessa parte do corpo, fazendo disparar os pensamentos, as ideias, as soluções, os planos, as estratégias…
  • Curto-prazo: a intensidade é excelente de aplicar para um período de tempo reduzido, que exige ação imediata e resultados que precisem aparecer, independentemente da qualidade, o que permite fazer acontecer um certo nível de produção numa fase inicial.

Desvantagens:

  • Desgaste: Sendo a intensidade caracterizada por um pico repentino, significa que existe, em algum momento, uma queda igualmente proporcional.
  • Longo prazo: O uso energético e a tremenda recuperação que existe na aplicação da intensidade tornam-na insustentável para garantir o que quer que seja no longo prazo.

Consistência

Visto muitas vezes como o irmão feio, a “ovelha negra”, contrária da intensidade. Se a primeira parece energética e jovial, esta parece velha e aborrecida. Quando uma parece atacar, produzir e fazer acontecer, a outra parece medir os seus passos, fazer o necessário sem grandes problemas e seguir com o caminho.

Vantagens:

  • Torna o pequeno grande: A consistência usa aquilo que Einstein descreveu como a 8ª maravilha do Mundo, o juro composto, para acumular ações simples, realizadas de forma consistente ao longo de um determinado período de tempo, para criar um resultado final extremamente complexo, com um nível de esforço reduzido.
  • Ensina paciência: A consistência desliga-nos da velocidade e ensina-nos a valorizar a importância de fazer o que temos de fazer da melhor forma que sabemos.

Desvantagens:

  • Janela de oportunidade: A consistência não permite aproveitar ao máximo as oportunidades momentâneas, pelo foco que tem no longo prazo.
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A melhor?

Bem, pelo simples julgamento dos pontos acima, é possível calcular a resposta. Não é absolutamente certa. Em determinados momentos, a intensidade vai servir melhor que a consistência. Noutros, a consistência vai bater a intensidade. Ainda assim, sou apologista de aplicar aqui o princípio de 80/20, a favor da consistência. Passo a explicar:

Mantendo na vida 80% de consistência e 20% de intensidade damos espaço a que existam momentos de curto prazo em que nos possamos atirar com “unhas e dentes” aos assuntos em questão que precisam de uma solução imediata. No resto do tempo, podemos focar-nos em fazer a nossa parte naquele dia. E no seguinte. E no próximo. E no outro. Até chegarmos a um momento em que o acumular das nossas ações nos dá um resultado. Mais do que isso até, transforma-nos através do processo diário de nos matermos comprometidos e disciplinados para com uma ação, de forma consistente, sem o desgaste energético monumental que a intensidade traz.

Importância e notas finais

Como conseguem entender, pelo ponto acima, sou a favor de ambas, num desequilíbrio favorável que vise promover a nossa melhor qualidade de vida e de resultados produzidos, em relação ao esforço, energia e recursos depositados na realização das ações.
Em apontamentos finais. Acredito certamente que mais um dos nossos grandes desafios sociais se coloca precisamente aqui. Mais uma vez, proveniente da falta de educação emocional e importância da conotação correta na linguagem. Com o mundo acelerado do “quero para ontem”, a intensidade tornou-se extremamente famosa e a consistência tornou-se brutalmente aborrecida. Uma das causas de tantos casos de burnout, de mais diagnósticos de perturbações do foro mental surge também daqui. A pressão que é colocada nas pessoas, no desempenho das suas funções é tão intensa, que as esgota rapidamente. Pedir intensidade elevada de forma consistente é inumano. Porque ninguém nos ensinou sobre inteligência emocional. Sobre proteger e gerir a nossa energia. Porra, nem nos ensinaram sobre sono e como potenciar o nosso descanso, para reforçar o corpo e a mente! O que se pede hoje em dia supera os limites de qualquer coisa, porque cada mecanismo na roda que é o sistema sucumbe ao que o ordena. Exige-se rapidez, não se dá descanso. Exige-se intensidade, não se dá apoio. Exige-se consistência impossível, sem se valorizar uma única ação realizada. Nem a recompensa (pelo menos isso, que seria o mínimo) é adequada.

Agora, que já libertei a dor que sinto, porque não sou apenas de me queixar e simpatizar, a questão que deixo é, perante esta anti-humanidade que se está a criar passo a passo, o que estás a fazer para manter a humanidade saudável e viva?

Não interessa muito, pelo menos a nós que andamos pelos níveis baixos das hierarquias de poder, atribuir culpas. Porque não podemos fazer grande coisas com isso. O que nos interessa, e muito é fazer a nossa parte. Combater a velocidade louca da atualidade e viver a vida da melhor forma que nos for possível, ao nosso ritmo. Lembrar as pessoas que somos nós que constituímos o mundo. Não é o que nós fazemos. Não é o que produzimos. Não é o resultado que geramos. Não é o que dizemos. O que faz a humanidade é quem nós somos. Tudo o resto, só o faz girar. A base, continuamos a ser nós.

Já fizeste a tua parte hoje?

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Daniel Covas
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Written by Daniel Covas

Mental Coach, Behaviour Analyst, Digital Strategist. Beat the Mind Founder. https://www.instagram.com/danny_covas/

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