Garantias

Daniel Covas
5 min readMar 3, 2023

--

Não, não é sobre o que fazemos com os produtos que compramos. Não é sobre aqueles protocolos que garantem alguma coisa, para assegurar a nossa necessidade de certeza. É sobre o que tomamos como garantido, diariamente, na nossa vida. Esse sim é o tema de discussão de hoje.

  • Garantias
  • Porque tomamos como garantido
  • O querer, o ter, o perder
  • Conclusões
Photo by My Foto Canva on Unsplash

De onde surgem estas garantias? Surgem, sobretudo, pelo tempo. Quanto mais tempo nos habituamos a ter algo, mais fácil é de tomarmos isso como garantido. Vamos imaginar o “amanhã”, o simples conceito do dia seguinte. Tomamos isso como garantido, porque, o registo que temos da vida, é que cada vez que fomos dormir, acordámos sempre para testemunhar o dia seguinte, mais um dia. A mesma coisa com ações simples como andar e falar. São ações que fazem parte do nosso dia-a-dia tantas vezes, de forma tão natural, que assumimos isso como garantido.

Porquê?

A pergunta que sempre nos chateia e que foi o motor da estimulação da nossa curiosidade durante os nossos primeiros anos de vida. E que, nalguma altura, somos desencorajados a utilizá-la de forma tão recorrente. Porque não devemos ser curiosos, porque há coisas que supostamente não devemos saber, enfim. O tema hoje, em específico nesta parte, é porque é que tomamos coisas como garantidas?
Fui deixando algumas migalhas, ao longo da semana, através das publicações nas redes sociais. O tempo e o valor são dois dos aspetos mais determinantes para responder a essa questão. Por norma, tomamos como garantido aquilo que se prova, vezes e vezes sem conta, ao longo do tempo. Como referi acima. Mas porquê?
Bem, o nosso cérebro é magistral em todas as suas artes. Uma delas é poupar-se a si próprio, para que tenha o máximo de recursos disponíveis a todo o momento. É por isso que detalhes como apertar os atacadores, beber água e outras atividades simples são movidas para a memória muscular automática, inconsciente, para libertar o espaço de foco momentâneo para tudo o que possa acontecer. Então, quanto mais tempo passa, menos valor reconhecemos, quer estejamos a falar de um objeto, de um acontecimento repetido, de pessoas, do que seja. E quanto menos valor reconhecemos em algo, mais fácil se torna tomar isso como garantido. É um mecanismo do cérebro para evitar que nos preocupemos.

As 3 fases do valor

Quer seja adquirir um bem material, atingir um feito, pessoal ou profissional, ou alcançar uma relação, de qualquer natureza, estas fases estão sempre presentes.

Desejo

A fase em que cobiçamos algo. Quando começamos a colocar a nossa atenção e foco intencional e determinado. Mentalmente, o desejo, seja no que for, é o que dispara o cérebro a funcionar no curto prazo. Aquilo a que chamamos, normalmente, de motivação. É aquela “faísca” que nos faz acionar. Que nos deixa sedentos de atingir ou ter aquilo que estamos a desejar. Nesta fase, o valor que depositamos no objetivo pretendido é elevado, porque a maioria dos nossos recursos está a ser direcionado para trabalhar nesse sentido. Até que, um dia, alcançamos isso.

Obtenção

Ao atingir o objetivo, o desejo desaparece. A dopamina cai, começando a busca por um novo alvo. Agora, podemos desfrutar daquilo que conquistámos. Esta fase é a que, em teoria, dura mais tempo. É o período em que apreciamos todo o esforço e aproveitamos a meta atingida. O valor começa a cair, com a passagem do tempo. Porque nos habituamos à nova presença. Como disse acima, aquilo que se torna habitual e banal, a mente transfere para a parte inconsciente. E aí, começa a sair do nosso foco intencional. O decaimento do valor aumenta e chega um momento em que a existência daquilo que outrora era um miraculoso objetivo, hoje já nem sequer lhe é reconhecida existência.

Perda

Um dia, o que acontece, é que isso se perde. Desaparece. E aí, a mente volta a focar-se, porque aquilo fazia parte do dia-a-dia e agora deixou de existir. O hábito, cortado de rompante, interfere com o funcionamento natural de quem somos. E quando nos focamos em algo que estava e já não está, gera-se um misto de angústia e saudade, aliado ao reconhecimento e valor que outrora demos a algo que agora falta. As memórias da fase inicial, de desejo, fazem com que, ao chegar a esta fase, valorizemos ainda mais grandemente aquilo que foi objeto da nossa conquista. O caminho mais simples e doloroso aqui, é a aceitação. Porque este é um processo natural. Que vai acontecer. E que, não tem necessariamente de acontecer a tudo o que temos na vida.

Perdoem-me as referências tão generalistas, mas aquilo a que me refiro pode ser tão banal como comprar uma carteira, tê-la e vê-la estragar-se ou algo tão valorável como uma relação fracassada. Assim, consigo manter o “anonimato” do objetivo, permitindo a que cada um de vocês cria a própria história, com os sentimentos atuais da vossa vida.

Photo by Mert Talay on Unsplash

Para concluir esta ideia, o importante neste processo é perceber o que é banal o suficiente para permitirmos que se torne algo “garantido”. Na minha opinião, tudo o que não é essencial ao nosso bem-estar básico e que não nos crie um sentimento de apego, é viável de ser tomado como garantido.
Tudo o resto, é alvo de valorização. E para não deixar algo cair na gaveta mental das “garantias”, faz um esforço e coloca uma intenção consciente em reconhecer isso, numa base diária, semanal, mensal ou com outra temporização que te faça sentido. Uma forma muito sábia de reconhecer, por exemplo, aspetos pessoais que damos como garantidos, é agradecer por eles. Agradecer por respirar de forma saudável. Agradecer por conseguir falar. Agradecer por conseguir andar. Agradecer coloca foco e intenção e relembra-nos, nestes aspetos, do milagre que é a vida.

Tens pessoas na tua vida que por vezes assumes como garantidas? Quando te lembrares dessas pessoas, não penses só “tenho de enviar mensagem” ou “tenho de ligar”. Decide, nesse momento, enviar mensagem. São 5 a 10 segundos para escreveres um “Lembrei-me de ti. Não falamos há algum tempo. Como estás?”. Se tens tempo, liga. Não deixes passar a oportunidade, o tempo não perdoa.

A minha nota final de hoje para ti é: Agradece e valoriza. Pelo que tens. Pelo que queres ter e para o qual estás a trabalhar. Liga àquela pessoa com quem já não falas há semanas. Manda uma mensagem aquele amig@ que vive por perto. Ou longe. A distância não determina o valor ou a importância. Faz o esforço de não tomares como garantido aquilo que te ia doer perder, para fazeres valer o esforço de manter.

--

--

Daniel Covas
Daniel Covas

Written by Daniel Covas

Mental Coach, Behaviour Analyst, Digital Strategist. Beat the Mind Founder. https://www.instagram.com/danny_covas/

No responses yet