Fazer a cama

O que vale uma ação tão básica?

Daniel Covas
5 min readNov 16, 2023

Inicio hoje e para o restante deste mês uma minissérie de três artigos de pequenas ações que executamos diariamente e que, com a devida atenção, nos podem fornecer aprendizagens sábias e preciosas para várias dimensões que contribuem de forma crucial para o melhoramento da nossa vida.

Começamos hoje com um hábito bastante simples e que todos nós, por norma, de uma forma ou outra, aprendemos a fazer. Como a maioria das coisas que nos ensinam na vida, só nos explicam ou exemplificam o que fazer, não a razão efetiva de o fazer. Espero trazer hoje mais clareza sobre este segundo aspeto, que devia estar em primeiro lugar.

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O Ato

Fazer a cama é, por si só, uma ação que deveria fazer parte da manhã de todas as pessoas. Não só por ser algo fácil, simples e sem qualquer exigência física. Também por não necessitar um grande esforço, quer de energia quer de tempo. É algo que melhora a imagem estética do quarto em particular e claro, dá um aspeto limpo e organizado a um lar, em geral.
Porém, o que acontece a muitos de nós? Deixamos este hábito para trás. Ou porque já ninguém nos obriga a fazê-lo, ou porque é tão simples que não vale a pena. Ou então, a minha desculpa preferida de ouvir:

“Porque a vou fazer, se logo a vou desfazer?”

Não é um linha de pensamento propriamente benéfica. Porque acordamos de manhã, se temos de voltar a dormir?; porque comemos, se temos de voltar a comer?; porque fazemos coisas de forma repetida?
Porque são coisas necessárias. Porque nos treinam. Porque nos mantêm vivos. Somos criaturas de hábitos, e os hábitos que escolhemos ter constroem ou destroem o nosso carácter, em última instância.

O Propósito

Obviamente que já percebeste que fazer a cama não é sobre fazer a cama. Raramente fazer uma coisa é sobre essa mesma coisa. Tudo o que uma ação tem associada a si, é realmente o seu propósito. Isto porque uma ação influencia aspetos de forma direta e outros de forma indireta. Essas lições, de impacto indireto, são as que realmente nos permitem limar as arestas da vida e entender os detalhes que fazem a diferença nos vários níveis da nossa vida:

  • Aqueles em que já estivemos
  • Aquele em que estamos
  • Aqueles que queremos ainda atingir

Qual é o propósito em fazer a cama?

No Exército, uma das primeiras coisas que nos ensinam é como fazer a cama. Porque lá, fazemo-la de uma forma específica. Uma determinada medida para dobrar o lençol sobre o cobertor. Uma determinada maneira para dobrar os cantos, em forma triangular. Uma forma particular de colocar a almofada. Uma maneira única de colocar a colcha sobre tudo isso e atingir a completação total da tarefa em mãos. A lição que fica clara, desde o momento inicial, é uma: tudo o que fazemos, deve ser feito com todo o rigor.
Começando, todos os dias de manhã, com a cama feita. Não é simplesmente um comportamento disciplinado, apesar de o ser. Não é simplesmente uma ação estética, apesar de o ser. Não é apenas organização, apesar de o ser.
Sobretudo é uma forma de dizermos, em especial a nós próprios, que estamos a começar o dia a cuidar de nós. Pode ser a primeira vitória do dia a nível de tarefas. A primeira conquista. O primeiro feito que diz à nossa mente “Estás a começar o dia a vencer!”

Isso é bastante poderoso. Porque, ao invés de iniciar o dia em modo de deambular pela vida, começamos o dia com um sentimento de conquista, melhor preparados para o que possamos vir a enfrentar ao longo dele.

Mais importante, nos dias miseráveis, quando tudo correr mal, vamos poder chegar a casa e saber que, pelo menos, por termos a cama feita, uma ação foi bem executada e podemos encontrar algum conforto e reforço do estado anímico aí.

Por tudo isto, é muito mais importante nós percebermos a razão por detrás daquilo que fazemos do que simplesmente fazer a ação. Se for feita de forma vazia, superficial, não nos acrescenta. E nos dias em que a vontade quebrar, nada nos vai impelir a executá-la. Por outro lado, quando o propósito está presente e sobretudo claro, ainda que a vontade possa não existir, empurramo-nos a realizar a ação, porque sabemos não do que ela nos dá simplesmente e sim da importância que a sua realização tem para a totalidade do nosso ser.

Finalidade e transposição

Agora, não nos podemos ficar simplesmente pelo propósito. Claro, é extremamente importante. Claro, é a base. Claro, é o que preenche o espírito. Porém, não é tudo. Porque ainda que o espírito seja a fundação do nosso ser, vivemos num mundo físico, onde a expressão dos nosso propósitos existe e se manifesta através da repetição das ações que os refletem.

Por isso, fazer a cama não é só fazer a cama. Já chegámos a essa conclusão. Já esclarecemos que o propósito é ser uma conquista que nos estimule a ser o nosso melhor a partir dos primeiros momentos do dia. Agora, onde se reflete isso no resto?

Bem, vamos ver desta perspetiva:

  • Quem faz a cama pela manhã, tem a iniciativa e a proatividade de o fazer. Quem não a faz, não tem essa mesma iniciativa e proatividade.
  • Quem a faz, vai sentir-se fortalecido e com um estado mais preparado e à procura de sair vitorioso do que fizer. Quem não a faz, vai manter-se no seu percurso matinal, não vai sentir-se tão preparado nem terá uma mente disposta a selecionar conquistas desde cedo no dia.
  • Quem a faz, ainda que tenha um dia péssimo, vai praticar a compaixão e a empatia consigo próprio e ser capaz de reconhecer que, mesmo nos dias menos conseguidos, há bons aspetos a retirar, que dão alento a que o dia seguinte seja melhor. Quem não a faz, tem menos hipóteses de reconhecer algo de positivo num dia péssimo e é menos provável que consiga praticar a compaixão e a empatia consigo, por não ter ações em que se suportar.

Fazer a cama é um hábito. Não fazer a cama também é um hábito. Cada um é uma semente que, diariamente, podemos plantar. No futuro, irá dar uma respetiva colheita, consoante a plantação que foi feita.

A repetição promove o hábito.

Já fizeste a tua cama hoje?

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Daniel Covas
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Written by Daniel Covas

Mental Coach, Behaviour Analyst, Digital Strategist. Beat the Mind Founder. https://www.instagram.com/danny_covas/

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