Estudante da Vida
A profissão comum que a todos é recomendável aspirar
Não sou de certezas absolutas faz algum tempo. Acredito muito em deixarmos espaço para as nossas próprias reflexões, para que possamos questionar aquilo que sabemos, desafiar os aspetos fundamentais em que acreditamos, de forma a fomentar a nossa evolução pessoal. No final de contas, desenvolvimento humano é evolução. Evoluir implica (mais do que nunca) nos tempos que correm e na realidade, desde sempre, aprender, desaprender e reaprender. Porque saber uma coisa leva-nos até um certo nível. Para existir progressão, ou aliamos algo novo ao que sabemos ou introduzimos um novo conhecimento em nós, para substituir o antigo e nos transportar para lá do obstáculo que temos pela frente, para que cheguemos a um novo patamar da nossa existência.
Aprender
Escrevi aqui, há duas semanas atrás, sobre o ensino, o seu método e modelo. Agora, venho reforçar uma das perspetivas e levá-la mais longe: a conotação que se dá ao processo de aprendizagem. Estive este domingo passado a entregar um evento de inteligência emocional para crianças em que a média de idades era ligeiramente inferior a 9. Seja de notar que, ao comunicar com eles numa sala, assumiram imediatamente que seria algo como uma aula e portanto, que seria aborrecido. Inferiram de forma correta dentro da lógica deles, porém, não questionaram por um segundo que podia ser algo diferente. Que acabou por ser. Houve atividades, teatralidades, brincadeira, futebol. O que me deixa chocado é o quanto as próprias crianças já não questionam com curiosidade o que será que vai acontecer, porque tiram conclusões de forma antecipada. Estão a ser ensinadas a pensar como adultos, enquanto são ainda crianças, o que complica o processo natural de se descobrirem e explorarem o mundo de forma própria. Ao desenharmos tais limitações, as crianças começam a ficar carentes e a sentir-se presas, porque ainda não entendem o mundo que as envolve e já fazem raciocínios lógicos e conclusivos que delimitam o mundo para o qual olham. Uma abordagem que os vai prescindir de descobrir na vida que entre duas verdades factuais, existe um mundo de hipóteses a ser explorado.
Vantagens e consequências
Dar às crianças um modo de pensar adulto num cérebro que não o suporta é algo que está para lá da compreensão natural. Como podemos esperar que elas entendam o mundo da mesma forma que nós? Primeiro, não as deixamos explorá-lo. Depois, elas podem ver e descobrir coisas que nos passaram ao lado, por toda a evolução que tem acontecido.
Vantagens
- Maior probabilidade de concordância
- Menos desafios explicativos (não existem tantos porquês)
- Menos vontade de exploração
Consequências
- Limitação da curiosidade
- Formatação mental por modelos incutidos (não-estimulação do pensamento crítico)
- Incapacidade de lidar com a vida
O meu intuito não é, de maneira nenhuma, entregar dicas ou métodos sobre como educar (ou não educar) crianças. Primeiro, não tenho sentido de propriedade para o fazer. Segundo, não tenho aptidões técnicas para o discutir. Como de costume, é apenas um lembrete e uma chamada de atenção ao que estamos a fazer, perante aquilo que observo, às gerações que nos vão substituir.
Aprendizagem contínua
O princípio da melhoria contínua é um conceito em que assumimos que não existe um final para o processo de aprendizagem. Percebemos que, como o mundo se move em direção ao futuro, novas coisas surgem. Melhorias, formas de fazer diferentes, métodos e processos que vêm revolucionar e/ou tornar ultrapassadas e obsoletas coisas que, outrora, foram a vanguarda da evolução. Ganhar consciência de que existem coisas que não sabemos que não sabemos é um dos motores para nos impulsionar a perseguir esta linha de pensamento. Estando abertos a conhecimento novo, que nos proporciona frescas perspetivas do mundo, posteriormente abre portas de novidade à obtenção de coisas modernas para a vida — materiais e imateriais.
Este é um dos aspetos que me faz questionar mais a conotação que damos à aprendizagem nas escolas, o que me levou a expor novamente essa questão no início. Porque se as crianças, posteriormente adolescentes, jovens adultos e adultos criam aversão ao processo de aprendizagem, vão deixá-lo para trás assim que lhes for possível. Porque é uma obrigação e nunca foi estimulado o questionamento, o desafio do conhecimento. Como é algo estático para a maioria, a célebre frase “o conhecimento não ocupa lugar” acaba por ser uma expressão que, como dizemos na gíria corrente, é só fama, sem proveito.
Modelo mental moldável
Sendo adaptação uma das minhas palavras de ordem, ter a capacidade de aplicar essa palavra, de forma prática, às três dimensões neurológicas do ser (pensar, sentir, fazer) é o que nos dá, de forma efetiva, a base para entrarmos em processo de aprendizagem contínua. Ter um modelo mental que permita estarmos abertos à consideração de todas as ideias com que nos cruzamos (para contemplar e apreciar, não aceitar sem estrutura viável) permite que desafiemos a todo o momento as nossas crenças, de forma a permitir a evolução a qualquer momento, pelos moldes que mais se ajustam aos nossos valores.
Ouvimos muito falar em “mentalidade de crescimento”. Para mim, de forma simples, tem que ver com este pressuposto que descrevi acima. Trabalharmos esta capacidade que nos permite ser fiéis e confiantes em quem somos, ao mesmo tempo que nos dá a humildade necessária para aprender com qualquer pessoa ou ideia que cruze a nossa jornada de vida.
Considerações finais
Pegando na relação do título-subtítulo e desenvolvendo isso, volto a reforçar que não acredito muito em pressupostos absolutos, estratégias que funcionam para toda a gente da mesma forma. Mesmo assim, pegando no conceito generalista de ser “estudante da vida” que, ligando ao tema da semana passada, podemos até considerar um nome como “explorador da vida”, acredito ser algo que todos deviamos, de uma forma própria, adotar. Como princípio para satisfazer a nossa curiosidade natural. Para potenciar o desenvolvimento pessoal. Para nos distanciar dos pensamentos julgadores e sentimentos especulativos em relação aos outros e nos aproximar da avaliação e reflexão sobre a qualidade dos nossos próprios pensamentos e sentimentos.
Se não lhe quiseres chamar profissão, pelas obrigações que associas a essa palavra, faz disso uma ocupação. Algo que vais começar a fazer e ver como te sentes com isso. Talvez te preencha. Talvez te permita olhar a realidade de forma diferente e ter mais perspetivas para abordar a mesma coisa. Talvez descubras recursos que não imaginavas possuir. Talvez não descubras nada disso. Talvez descubras tudo isto e muito mais. No testar de algo novo, existe um número de possibilidades ilimitadas para aquilo que podes colher e obter.
Raramente perdemos algo por arriscar. Sentimos sim, que perdemos, quando não arriscamos. Desafia-te a viver e explorar mais a tua vida, dentro das linhas daquilo que, para ti, a torna mais agradável.