Disciplina e Compromisso
Esta é a quarta publicação sobre o tema disciplina. Muitas outras após esta devem estar por vir. Muitos amigos, conhecidos, pessoas com quem partilho alguns momentos em eventos ou palestras, veem-me como uma pessoa disciplinada. Consideram-me uma pessoa disciplinada. Porquê? Bem, a resposta simples e crua é que, dê por onde der e leve o tempo que levar, eu faço 80 a 90% daquilo que digo que faço.
Hoje, vamos personificar, desconstruir, simplificar e criar estratégias para a disciplina.
- Personificação da disciplina — a autoimagem
- Desconstrução — disciplina em blocos
- Estratégias — como ser disciplinado?
A imagem da disciplina
Quando olhamos para alguém, o que nos faz considerar alguém como disciplinado? Confiança, em primeiro. Quem é confiante parece ser bom em tudo aquilo que faz. Respeito. Quem se apresenta como respeitável parece ser alguém que honra aquilo que faz e o cumpre com brio. Profissional. Quem é profissional parece seguir uma série de normas e padrões que garantem que aquilo que faz em ações produz resultados de elevada qualidade.
Se nos cingirmos a estes três aspetos, entendemos porque a disciplina está associada a membros das forças armadas e de segurança, a praticantes de desportos de combate, a atletas de elite dos seus respetivos campos e a altos cargos dentro de organizações eficientes. A pergunta é, a imagem cria-se com o trabalho ou cria-se a imagem para se trabalhar?
A autoimagem tem muito que se lhe diga. Vemos muito comummente a divulgação da prática de afirmações, para desenvolver a forma como olhamos para nós. Para trabalhar características que não acreditamos possuir, por qualquer razão. E ficamos presos na questão de esperar que as afirmações nos dêm um resultado para agirmos de uma certa forma. Porque se agirmos de uma determinada forma sem acreditar que possuímos as capacidades necessárias para assim agir, estamos a colocar-nos numa posição de fragilidade.
Onde anda afinal a solução?
A imagem que temos de nós é um reflexo, não daquilo que parecemos que somos e sim daquilo que ACREDITAMOS que somos. No primeiro parágrafo insisti na repetição da palavra “parecer” para chegar precisamente a este ponto. O facto de nós acreditarmos em algo, permite que pareçamos algo para outros. A imagem que temos de nós e a imagem que outros têm de nós deve estar alinhada, para que não existam conflitos de identidade nem quedas no denso buraco que é o síndrome do impostor, quando sentimos uma certa incongruência entre aquilo que somos e aquilo que os outros acreditam que nós somos.
A solução relativa à autoimagem de uma pessoa disciplinada é, em primeiro, responderes às questões: “O que é uma pessoa disciplinada para mim?; Que características possuí?; Como se comporta?”
Disciplina por partes
Agora, vou procurar clarificar e desconstruir o conceito de disciplina, da forma mais sábia que o meu conhecimento me permitir.
Estou, neste momento, a assumir um pouco como base de missão de vida, levar o conceito de disciplina ao maior número de pessoas possível. Porque vejo este conceito tão “maltratrado” e conotativamente tão desapreciado. Disciplina não é mais que a execução periódica de ações que sustentam um compromisso que assumimos.
Temos o hábito de lavar os dentes para garantir a nossa saúde e higiene oral. Isso é uma forma de disciplina. Não é por ser banal, fácil e simples que não é disciplina. Essa é a razão pela qual me refugio sempre nos exemplos mais diários e mundanos da vida. Porque nos fazem acreditar que só aquilo que é duro e difícil pertence ao caminho da disciplina. Isso é um dos extremos, apenas. Existe outro, de facilidade e simplicidade, por onde se inicia. E todo um caminho pelo meio, inclusive.
Mantendo o objetivo deste capítulo, se assim o quiserem chamar, já temos aqui duas partes da disciplina: execução periódica de ações para garantir um compromisso. Existe disciplina dentro daquilo que é fácil, no que é normal e no que é difícil.
Quando quebramos os conceitos, os dividimos em pequenas partes e as esmiuçamos, tudo se torna mais compreensível. Já concluímos que, para existir disciplina, tem de existir uma periodicidade (que nós estabelecemos) e uma dificuldade (que vai depender da tarefa escolhida).
Uma periodicidade comum associada à disciplina é o “fazer todos os dias”. E por vezes é assim que tem de ser feito. No entanto, disciplina é um compromisso, não uma sentença. Se estamos a honrar algo a que nos propusemos, devemos responsabilizar-nos pela falha, assumi-la e fazer melhor no dia seguinte. A culpa não nos leva a lado nenhum, arrasta-nos para caminhos indesejáveis de vitimização.
A dificuldade? Bem, essa ultrapassa-nos. Tarefas diferentes, objetivos diferentes. São constituídos por ações diferentes. Cada uma, com uma dificuldade própria. Que depende também do nosso leque de capacidades, que vai influenciar a dificuldade com que encaramos cada ação. Acima de tudo, o resultado não é importante. A realização da ação é a honra da disciplina. O resultado é o subproduto da execução. Será bom, quando estivermos treinados, de forma disciplinada. Será mau, quando estivermos desleixados. Simples assim.
Estratégias disciplinares
Como fazer vai ser o eterno terror de tantos de nós. O excesso de informação a que estamos expostos diariamente prende-nos na busca incessante do plano perfeito (que não existe), para adiarmos a ação até que pareça tarde demais. Depois, entra a culpa em jogo. Substituída pelo arrependimento mais tarde (por vezes até jogam em equipa). E esta seleção de características que nos assola a mente, paralisa-nos.
Como? Como resolvemos isso? Como fazemos, afinal? FAZENDO.
Sim, eu sei ao que soa a resposta. A simplicidade. A clareza mental. A medo. E, ainda assim, continua a ser a resposta que se sobrepõe e a única que importa. Só da ação se colhem frutos, por mais “luzes” que se acendam durante o processo de planeamento. O que nos transforma é o que fazemos no campo de batalha, no dia a dia.
Não nos vou incentivar a ler até aqui para vos deixar na mão agora com isto, relaxem. Sim, estou a dizer-te que te vou dar mais qualquer coisa. Agora para um momento. Respira fundo. Inspira pelo nariz, 3 segundos. Expira pelo nariz, 5 segundos. Estás pronto.
Discutimos no início a criação da imagem de uma pessoa disciplinada. Seguimos com a desconstrução e descoberta que a disciplina é uma honra. A disciplina inclui dois fatores de importância: periodicidade e dificuldade. Por fim, percebemos que é importante é fazer, não tanto o que acontece depois. Porque assumir o medo e usar a coragem para fazer o que temos fortalece o nosso carácter e reforça a imagem que estamos a criar, de pessoa disciplinada. Então, o que falta aqui?
Exatamente. Um plano.
- Definir a identidade de pessoa disciplinada — Com a resposta às três perguntas do primeiro ponto desta publicação, tens esta tarefa feita. Definir a identidade não é o mesmo que assumi-la, claro. No entanto, a clareza do destino torna a viagem possível e facilitada. Agora, como te vais tornar nessa pessoa? Adotando ações que essa pessoa que idealizaste executaria diariamente.
- Começa pelos compromissos fáceis e valoriza o teu esforço diário — Começa por atribuir um novo significado às tarefas fáceis que executas diariamente. Lavas os dentes diariamente?; Tomas refeições equilibradas diariamente?; Vestes a tua melhor roupa diariamente?; Tratas de ti diariamente?; Reconhece aquilo que já fazes numa base diária. Perceciona que compromisso essa ação honra (o teu bem-estar, a tua saúde, a tua imagem, a tua auto-estima, a tua confiança). Parabéns, acabaste de descobrir que és disciplinado em várias coisas.
- Sobe degraus na escala de dificuldade — Evolução vem de fricção, de desconforto. Agora que descobriste que és disciplinado, está na hora de levar a tua disciplina a um novo nível. Exercita o teu corpo. Lê. Investe naquele projeto pessoal que tens em mente. Aprende uma habilidade nova.
- Define a periodicidade disciplinar — A dificuldade está fora do teu controlo. Lembra-te que, na vida controlamos apenas duas coisas: os nossos pensamentos e as nossas ações. O que está no teu controlo? A periodicidade da disciplina. Assume as ações fáceis de forma mais regular (diariamente). As ações que forem de maior dificuldade, quer seja pela falta de capacidade atual ou pelo tempo de execução que requerem, define uma periodicidade maior (1 a 3 vezes por semana, por exemplo), e trabalha a partir daí.
- Age — Faz o melhor que sabes, com os recursos que tens. Quando entregas tudo de ti no mínimo que fazes, tornas-te grandioso. Deixo-te esta nota importante: É mais disciplinada a pessoa que se comprometeu a treinar duas vezes por semana e que treina essas duas vezes por semana, do que a pessoa que se comprometeu a treinar cinco vezes por semana e treina apenas três. A primeira, honra o compromisso que fez e é congruente com a identidade que definiu. A segunda, não honra o compromisso e com o passar do tempo, entra no ciclo de culpa, frustração, desilusão e arrependimento (conflito interno de identidade).
Impressões finais
Só tu és tu és tu, e esse é o teu super-poder. Não olhes para o outro para encontrar a TUA disciplina. Se o teu amigo faz de treinar um estilo de vida, e o faz todos os dias, fica feliz por ele. Celebra com ele. E não percas um segundo a querer o mesmo para ti, só porque sim. Encontra a tua disciplina.
No início, pode ser um treino por semana. De vinte minutos. Honra esse compromisso contigo. Honra esse treino e dá tudo de ti nesses vinte minutos. Começa a criar a tua identidade disciplinada, passo a passo. Quanto mais honrares compromissos, com a periodicidade que estabeleceres, mais vais reforçar a tua identidade disciplinada e mais recursos e disponibilidade mental vais ter para assumir atividades de maior dificuldade, que te trazem resultados e recompensas maiores e melhores.
Torna-te disciplinado, gladiador!